Esta história se passou no início de minha adolescência, hoje tenho 30 anos e posso ainda lembra-me do ocorrido como se fosse ontem. Bem, vamos lá!
Nós tínhamos no bairro bons vizinhos, era na década de 80, eu e minha família estávamos acostumados com um bom relacionamento com a vizinhança em geral, e tudo era tranqüilo e calmo.
Mas, quando a vizinha da frente, uma senhora muito velha, decidiu se mudar para a casa de seu filho, abriu uma vaga para o que nós iríamos considerar como um acontecimento no mínimo surpreendente.
A casa da senhora Ana que havia se mudado era enorme, eu e meus irmãos a conhecíamos por dentro porque vez ou outra nós a visitávamos junto com minha mãe, afinal como bem disse tínhamos um ótimo relacionamento com todos. Um grande corredor ligava a sala aos quatro quartos da casa, dois de cada lado e um grande banheiro ao fundo, tinha também um grande quintal com um pé de abacateiro no canto esquerdo, era uma bela casa.
No lugar da Sra. Ana mudaram três irmãs, Clara, Josefina e Marília, infelizmente Marília era doente, e tinha um mal no estômago, era o que minha mãe dizia para o que hoje eu conheço como câncer. A pobre Marília sofria muito e vez ou outra podíamos escutar os seus gritos pela noite adentro, gritos de dor, a pobrezinha gritava e urrava de dor, era espantoso e aterrador, chegava a gelar a espinha e o sangue.
O tempo passou e a pobre Marília ia resistindo a doença, mas os gritos persistiam noite adentro como um lembrete do seu sofrimento e angústia, muitos vizinhos chegavam a comentar que melhor seria a morte a ter que suportar tamanho sofrimento.
As preces e orações passaram a fazer companhia aos gritos de Marília e toda a vizinhança pedia pelo fim daquele martírio. Finalmente, fora concedido à Marília o descanso que ela tanto merecia. Numa quinta-feira de céu nublado em que as folhas de outono caiam sobre as ruas e não se ouvia pássaro algum, Marília faleceu.
Todos ficaram aliviados pelo fim de seu sofrimento, e todos também imaginavam que seria o fim dos gritos de dor da pobre Marília, não poderiam estar mais enganados, pois naquela mesma quinta-feira, quando a noite chegou, perto das 23:00 horas, começou.
Primeiro foram gritos esparsos, mas depois os gritos se tornaram ininterruptos e altíssimos, foi impressionante. Aqueles mais céticos imaginaram tratar-se de alguma brincadeira de algum moleque mal educado, mas pela manhã para o assombro de todos viram um enorme caminhão baú parar a frente da casa das irmãs de Marília.
Alguns vizinhos que se assomaram as irmãs as questionaram do porquê daquela mudança repentina, as irmãs com os rostos pálidos e um olhar sombrio voltaram-se para os vizinhos curiosos e disseram: – Porque estamos nos mudando? Ora vocês não ouviram?
Os vizinhos retrucaram: – Ora meninas, deixem disso, era brincadeira de algum moleque travesso!
As moças por sua vez disseram: – Pessoal, os gritos saíram do quarto de Marília, e o quarto estava trancado!
Aquilo foi como se uma bomba tivesse caído sobre a vizinhança. Os gritos persistiram pelas noites, até que enfim chegou no sétimo dia e parou…
Até hoje os gritos ecoam pela minha mente me recordando de que a vida não é somente esta e para aqueles que são céticos a respeito de tudo, esperem e parem um pouco para pensar e refletir, pois nem tudo é sólido e palpável como imaginamos. Muitas vezes podemos acordar deste nosso ceticismo por gritos na noite, gritos que não sabemos de onde vêm…
Renato Alencar – SP – Campinas