Apesar de ainda ser um grande tabu em muitas áreas do mundo, é possível reconhecer que questões ligadas ao cérebro estão começando a ser encaradas de uma forma mais saudável. Ainda existe um longo caminho pela frente, mas é possível notar algum progresso. Infelizmente, ainda estamos longe de afirmar que todos que precisam tem acesso a tratamento mental. Essa não é uma realidade apenas brasileira, mas mundial. Em vários lugares do mundo, as pessoas sofrem com variados tipos de transtornos mentais sem expectativa de melhora porque não há tratamento.
Além do claro sofrimento que a própria pessoa sofre, estudos tem sido capazes de provar cada vez mais que pessoas doentes vão ser refletidas em comunidades doentes, sociedades doentes. Esse é o caso deste novo estudo, publicado no Journal of Clinical Psychopharmacology. O estudo analisou experiências de massacres nos Estados Unidos, os chamados “mass shootings” (“tiroteios em massa” livremente traduzido) e chegou a conclusão de que muitos dos autores sofriam com transtornos mentais não identificados e, consequentemente, não tratados.
Apenas nos primeiros cinco meses de 2021, foram registrados mais de 240 tiroteios em massa nos Estados Unidos. Os números são de acordo com o Gun Violence Archive, que define um tiroteio em massa como aquele com quatro ou mais pessoas feridas ou mortas, excluindo-se o autor. Na verdade, a recente onda de tiroteios em massa observada nos últimos três meses desde que os EUA “reabriram” do bloqueio, provocado pela pandemia, é considerada uma das piores da história do país.
Embora nenhum fator isolado possa explicar essa ampla gama de eventos trágicos, um novo estudo argumenta que um fator pode estar relacionado à maioria dos atiradores em massa: doenças psiquiátricas não tratadas e não medicadas. Essa descoberta está longe de ser definitiva – no início deste ano, um estudo separado concluiu que a doença mental não é um fator na maioria dos tiroteios em massa. Esta última pesquisa, assim como as anteriores, é simplesmente uma contribuição para esta questão profundamente complexa que continua a desafiar uma explicação completa.
Cientistas da Stanford University School of Medicine e da Icahn School of Medicine, no Mount Sinai Hospital, vasculharam o Mother Jones Mass Shootings Database, 1982-2021 – que eles afirmam ser um dos mais abrangentes bases de dados sobre o assunto – a fim de realizar um estudo retrospectivo e observacional de atiradores em massa. Eles identificaram 115 pessoas que haviam cometido um tiroteio em massa nos Estados Unidos de 1982 a 2019. A partir daí, eles se concentraram em 35 casos em que o agressor sobreviveu, foi julgado a processos criminais e havia uma quantidade adequada de informações disponíveis.
Dos 35 atiradores, 32 mostraram sinais e sintomas claros que se enquadram nos critérios diagnósticos científicos para um transtorno psiquiátrico clínico. Dezoito dos perpetradores tinham esquizofrenia, enquanto 10 tinham outros diagnósticos, incluindo transtorno bipolar, transtorno delirante, transtornos de personalidade e transtornos relacionados a substâncias. Em apenas quatro casos, eles não encontraram nenhum diagnóstico psiquiátrico. Já nos três casos restantes, os cientistas concluíram que não haviam dados suficientes para análise. Dos 28 autores sobreviventes com diagnóstico psiquiátrico, nenhum havia recebido medicação ou tratamento antes do tiroteio.
É válido ressaltar que o estudo não se propõe a relacionar doenças mentais e violência. Basta dizer que a maioria dos crimes violentos são cometidos por pessoas sem transtornos mentais. No entanto, o estudo argumenta que melhores serviços de atendimentos a transtornos mentais poderiam contribuir para uma mudança de cenário.