Alucinação: chave de muitos mistérios
Muitos fenômenos misteriosos podem ser perfeitamente explicados através da alucinação. A alucinação é definida como a aparente percepção de alguma coisa que não está materialmente presente, ou no jargão técnico da Associação Psiquiátrica Americana, alucinação é “uma percepção sensorial sem o estímulo externo do órgão sensorial correspondente”.
Tudo o que pode ser percebido pelos 5 sentidos pode também ser alucinado, mas as alucinações auditivas e visuais são as mais freqüentes. As alucinações patológicas são provocadas por lesões e infecções cerebrais, distúrbios psicóticos da esquizofrenia, epilepsia e psiconeuroses. Porém – e esta é a razão deste artigo – alucinações transitórias acontecem a pessoas normais, sadias, que não sofrem de nenhum distúrbio mental e são muito mais freqüentes do que costumamos pensar. Um estudo realizado em 1957 pelo famoso psicólogo inglês Peter McKellar revelou que 25% dos entrevistados tinham tido pelo menos uma experiência alucinatória. Em 1988 o norteamericano Ronald K. Siegel publicou dados ainda mais impressionantes: 79% dos participantes relataram ter sofrido alucinações, e um terço delas eram tão vívidas que tomararam-nas como eventos reais.
Na nossa mente, a área de consciência recebe continuadamente fluxos de sinais externos (provenientes dos 5 sentidos) e internos (provenientes da memória e outros circuitos neurais). A tarefa principal da consciência é construir a todo o tempo um modelo do mundo que faça sentido. As alucinações acontecem quando um elemento interno dispara um padrão de atividade equivalente ao que é normalmente gerado quando órgãos dos sentidos respondem a um evento publicamente observável. Na verdade existe uma certa competição entre esses fluxos de sinais internos e externos, e quando por alguma razão o fluxo de sinais externos enfraquece ou se deteriora o fluxo interno se sobrepõe ao externo. Isso explica porque as alucinações são disparadas por privação sensorial, sobrecarga sensorial (especialmente estímulos intensos repetitivos), insônia prolongada, jejum prolongado, desidratação, fadiga, febre alta, delírio, privação de oxigênio, hiperventilação, isolamento social, estados hipnagógicos e hipnopômpicos, ingestão de drogas psicodélicas, hipnose, etc.
Cerca de 4% das pessoas em uma população normal possuem uma imaginação muito intensa e mais dificuldade em julgar as diferenças entre eventos reais e imaginários. Elas fantasiam vividamente durante uma grande parte de suas vidas acordadas. Ainda que alucinem a maior parte do tempo, isso é suficientemente controlável e não interfere com sua segurança, emprego ou vida familiar. Wilson e Barker denominaram essas pessoas de “PPF – Personalidades Propensas à Fantasia” (Fantasy-Prone-Personalities). Elas podem alucinar de olhos abertos ou cerrados e podem evocar cenas completas ou adicionar artefatos a cenas reais. Alguns exemplos típicos de PPF: grandes visionários do passado compelidos por vozes ou visões alucinatórias, tais como Sócrates, Joana D’Arc, Santa Terezinha e Swedenborg; os que relatam múltiplas abduções em naves alienígenas; e os “médiuns visuais” que vêem espíritos em profusão, por todo o lado.
As alucinações sempre aproveitam material já arquivado anteriormente na memória do indivíduo e que é interpretado de acordo com o seu sistema de crenças e valores. Isso explica como a visão noturna de lampejos de luz provoca visões de veículos espaciais completos; uma cortina balançando ao vento na janela de um quarto escuro é vista como um fantasma ameaçador; ou a Xuxa deitada na cama em seu sítio vê um duende que lhe puxa o lençol. Isso aconteceu porque discos voadores, fantasmas e duendes já eram parte importante do universo cultural particular dessas pessoas.
Investigações aprofundadas de relatos de encontros com extraterrestres levaram à conclusão de que a grande maioria desses casos resulta da alucinação em estado hipnagógico ou hipnopômpico (pouco antes de cair no sono ou logo antes do despertar). Esses estados de transição da vigília para o sono, e vice-versa, também são responsáveis pelas alucinações comuns na infância, conhecidas como “terrores noturnos”. Às vezes, imagens vistas durante um pesadelo podem persistir depois que a criança acordou.
Pilotos de avião têm apresentado alucinações visuais, auditivas e cinestésicas devido à monotonia ou fixação da atenção por longos períodos. Um piloto pode, por exemplo, sentir que seu avião entrou em parafuso, está mergulhando ou de cabeça para baixo, mesmo que de fato o avião esteja perfeitamente nivelado. Uma alucinação cinestésica desse tipo pode ser tão vívida a ponto de levar o piloto a fazer uma manobra “corretiva”, com resultados potencialmente trágicos.
O místico experimenta alucinações mediante manipulação dos seus próprios mecanismos dissociativos através de auto-hipnose e intensa concentração mental. Essas alucinações podem ser do tipo em que a pessoa percebe o “eu interior” abandonando o corpo e viajando para lugares distantes. Ou tomar a forma de visões de conteúdo místico ou sensações de união com Deus ou o universo.
Na hipnose experimental é bem conhecido o poder das sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas na produção de alucinações. Um indivíduo hipnotizado pode ser induzido a se desviar de uma cadeira inexistente ou a dançar ao som de uma música imaginária. Também é fácil perceber o quanto das experiências típicas de regressão a vidas passadas se deve à alucinação induzida por sugestão ou hipnose.
As alucinações coletivas são induzidas pelo poder da sugestão. Ocorrem geralmente em situações de exaltação emotiva especialmente entre devotos religiosos. A expectativa e esperança de ser testemunha de um milagre, combinadas com longas horas de olhar fixo num objeto ou local, torna certas pessoas suscetíveis a verem coisas tais como uma imagem que chora ou que se move, ou a aparição da Virgem Maria.
No entanto, nem todas as alucinações coletivas são religiosas. Em 1897, conforme relato de Edmund Parish, diversos marinheiros viram o fantasma do cozinheiro do seu navio, falecido alguns dias antes, andando sobre as águas e mancando da forma que lhe era peculiar. Esse fantasma acabou sendo depois identificado como um “destroço remanescente de um naufrágio, subindo e descendo ao sabor das ondas.”
Em resumo – a alucinação, principalmente a não patológica, de tipo transitório, é parte integrante da nossa cultura e um fenômeno mal compreendido assaz freqüente em nosso meio. Está na raiz das religiões e do misticismo e esclarece um sem número de fenômenos misteriosos, tais como: 1) aparições de fantasmas, monstros, lobisomens, fadas, duendes, gnomos; 2) visões místicas de anjos, deuses, santos, demônios; 3) encontros com extraterrestres; 4) regressão a vidas passadas; 5) viagens fora do corpo; 6) experiências de quase-morte.
É necessário que a Psiquiatria e as Neurociências aprofundem a investigação do fenômeno alucinatório e façam chegar às massas esse conhecimento fundamental tão útil à compreensão e equilíbrio do nosso ser.
NOTA: O autor deste artigo experimentou em 1992 uma inusitada alucinação auditiva quando estava sentado após ao almoço, em plena luz do dia, escutando um noticiário radiofônico. O realismo, vigor e complexidade dessa experiência motivaram-no a pesquisar o fenômeno alucinatório em profundidade, e compartilhar suas descobertas com os leitores.
“As guerras religiosas e a caça às bruxas teriam sido bem menos numerosas ao longo da história houvessem as alucinações sido conhecidas como fenômenos naturais e houvessem os ‘possuídos pelo diabo’ sido considerados doentes.”
Robert L. Thorndike