Em tempos de coronavírus, é um pouco estranho dizer que um vírus tenha sido responsável por salvar a vida de alguém. Mas foi exatamente isso que aconteceu em um caso recentemente reportado à revista eletrônica Nature Communications. O artigo da alguns detalhes de como tudo aconteceu, especialmente o porquê dos médicos terem optado por aplicar um supervírus em uma vítima de bomba.
Vírus podem ser uma grande dor de cabeça, como a pandemia tem mostrado. Esses microrganismos podem matar, o que nesse caso específico foi uma boa coisa. Acontece que a vítima, uma mulher de 30 anos, desenvolveu uma superbactéria em um ferimento causado por bomba. Para entender o conceito de superbactérias, basta entender que se trata de microrganismos que não são sensíveis aos antibióticos existentes. Isto significa, em outras palavras, que não havia remédio para o caso em questão e o desfecho poderia ser a amputação do membro atingido, ou a morte.
Tudo começou em 2016, quando a mulher sobreviveu a um atentado suicida em Bruxelas. Os danos em seu corpo foram extensos, ao ponto de causar uma parada cardíaca durante sua internação. Depois de procedimentos invasivos e dolorosos, como a remoção de parte de sua pélvis, seu quadro foi considerado estável. Tudo parecia resolvido e, embora fosse precisar de muita ajuda para retomar a vida, a vítima parecia estar se encaminhando para a alta hospitalar. Quatro dias depois, no entanto, o pior aconteceu.
Uma das feridas causadas pela bomba, segundo o artigo, desenvolveu uma superbactéria. A esta altura, a mulher já havia recebido todos os cursos de antibióticos possíveis, mas nada havia dado resultado. Como tentativa de tratar o problema, os médicos chegaram a aplicar um auto enxerto muscular na área afetada. Em questão de dias, no entanto, o enxerto necrosou. A situação já era desesperadora quando os médicos decidiram usar o tratamento com o vírus.
A ideia pode parecer revolucionária, e talvez seja, mas não é uma novidade. Em 1919, o microbiologista francês Félix d’Hérelle, já usava esse tratamento para quadros de resistência de bactérias. Na época, a técnica foi desenvolvida pela falta de antibióticos. Hoje existem vários tipos de antibióticos, mas também um aumento de bactérias resistentes a eles.
“Os bacteriófagos, também conhecidos como fagos, sobrevivem infectando bactérias, replicando e saindo de seu hospedeiro, o que destrói a bactéria”, explicou Kevin Doxzen, estudante de pós-doutorado Hoffmann na Universidade do Estado do Arizona, em um artigo em 2021. Uma das coisas mais positivas sobre os vírus bacteriófagos é sua capacidade em se adaptar.
No caso relatado no artigo, por exemplo, os pesquisadores encontraram um tipo ideal para combater a bactéria Klebsiella, que havia sido identificada na ferida em questão. Mas o procedimento não é tão simples quanto pegar um vírus e aplicar na ferida. Os médicos precisaram fazer o procedimento algumas vezes no laboratório, até selecionar os vírus mais adequados.
Para conseguir realizar o procedimento, os médicos precisaram convencer o Conselho Ético do hospital e conseguiram porque se tratava da última opção de tratamento possível. A paciente também foi consultada e deu consentimento, tornando o procedimento possível. Em 3 meses de tratamento, com o vírus e antibióticos, a mulher já estava muito melhor de saúde. O tratamento resultou no controle total da infecção, além da remissão da bactéria.