Ray Tomlinson, o primeiro a conseguir enviar uma mensagem de um computador a outro, por meio de uma rede, usando o símbolo @
Ele não foi exatamente uma invenção acidental, mas certamente foi uma que seguiu uma trajetória inesperada para a glória.
Há trinta anos, com uma margem de erro de um ou dois meses, Ray Tomlinson, um modesto cientista da computação da Bolt, Beranek & Newman, uma empresa de engenharia de Cambridge, Massachusetts, sentou-se em seu computador e escreveu uma mensagem relativamente simples no programa que permitia que mensagens eletrônicas viajassem de um computador para outro.
De lá para cá, o e-mail tornou-se um elemento tão presente na vida de tantas pessoas que é difícil imaginar a vida sem ele. Segundo a International Data Corp., cerca de 9,8 bilhões de mensagens eletrônicas são enviadas diariamente. O e-mail tornou-se o esteio das comunicações das empresas. É a cola que mantém grandes famílias unidas. Relacionamentos românticos encontram tanto saída quanto consolo nele.
De certa forma, observou Nico Macdonald, um diretor da Spy, empresa de pesquisa com sede em Londres, o e-mail tornou-se a mídia definitiva por meio da qual os humanos utilizam computadores -para organizar grupos de discussão, entregar artigos de notícias, confirmar compras, indicar atualizações em páginas de Internet ou jogar xadrez. Ou como ele colocou, na linguagem da era da Internet, “o e-mail tornou-se todo um ambiente de informação pessoal”.
Estes são apenas os aspectos óbvios da vida com e-mail.
Em dezenas de outras formas menos óbvias, o e-mail mudou profundamente a forma como as pessoas se comunicam, assim como suas propriedades únicas o colocaram em um lugar singular entre as formas de interação humana.
Os inventores do e-mail não estavam necessariamente pensando nas vantagens menos evidentes da mídia -que faz problemas de fuso horário desaparecerem, ou que pode ser um guia virtual para transporte de documentos, fotos e videoclipes. Estes são os benefícios que continuam a estimular seu uso, com um número de usuários em todo o mundo estimado em centenas de milhões.
E há os riscos. O que você posta em um mural ou mala direta pode aparecer em arquivos da Internet muitos anos depois. O apertar de uma tecla errada pode enviar prematuramente uma mensagem para o ciberespaço ou enviá-la para o endereço errado. Pior, abrir uma mensagem armadilha pode tornar a pessoa vítima e transmissora involuntária de um vírus de computador criado por um programador mal-intencionado.
E praticamente desde o princípio, o e-mail tornou-se algo atrás do qual é possível se esconder.
David Walden, um engenheiro que trabalhou na Bolt, Beranek & Newman (BBN) com Tomlinson nos anos 1970, lembrou de um momento marcante para ele. “Eu me lembro de quando percebi que podia pedir desculpas por escrito por um problema e assim consertar uma situação”, disse ele, “e a pessoa com quem eu trabalhava não poderia me ver nem ler a minha linguagem corporal, e assim não perceberia que na verdade eu não estava arrependido”.
O e-mail também é uma foto instantânea do humor de uma pessoa, dia a dia, ou até mesmo hora a hora.
“Um dos meus filhos salva os e-mails de todo o ano e depois os envia de volta como uma espécie de flash-back do passado”, disse Vinton Cerf, um dos criadores da Internet e vice-presidente sênior da WorldCom, uma empresa de serviços de comunicação. “Você não faria algo assim com correspondência em papel, mas é fácil com o meio digital, eletrônico”.
Com todos esses usos, o próprio volume de e-mails tornou-se gigantesco. Parece claro que, assim como outras tecnologias anteriores, o e-mail não apenas substituiu uma forma de fazer as coisas; ele criou sua própria demanda. As caixas de entrada dos programas estão cada vez mais cheias de spam (e-mails não solicitados) de estranhos e humor bem-intencionado mas indesejado de amigos, assim como de pedidos de superiores em uma única sentença, que resultam em horas de trabalho adicional, e anexos gigantes enviados por colegas que precisam ser lidos imediatamente.
Mas as pessoas convivem com isto porque, por ora, elas não podem viver sem isto.
O pequeno achado de Tomlinson não foi exatamente o início do e-mail. Ele já existia nos anos 60, quando cientistas da computação enviavam mensagens eletrônicas dentro de sistemas interligados (time-sharing) -um computador com muitos terminais.
Mas Tomlinson, que agora é o principal engenheiro da BBN Technologies, foi aquele que tornou possível enviar um e-mail de uma máquina para outra por uma rede de computadores. Apesar de ser conhecido por seus programas, ele ficou realmente famoso por uma decisão simples que tomou enquanto os escrevia.
Ele precisava de um forma para marcar a separação entre o nome do usuário e o nome do computador no qual o usuário estava. Seu olho bateu no símbolo @, que foi o que ele escolheu, sem saber que estava criando um ícone para o mundo interligado. E igualmente sem saber que sua primeira mensagem algum dia seria objeto de análise histórica, Tomlinson disse que não recordar o conteúdo da primeira mensagem que digitou no teclado.
Ao longo dos anos 70, o uso de rede de mensagens, como era chamada na época, não cresceu exponencialmente, mas gradualmente como a própria Internet. A Internet teve início como um ferramenta de pesquisa em redes de computadores, e o e-mail era seu equivalente ao memorando entre escritórios. Na verdade, a correspondência na Internet patrocinada pelo governo e em sua predecessora, a Arpanet, devia se restringir a assuntos oficiais.
Desde o início, as pessoas souberam como usar o e-mail em nome da distração. Um dos primeiros mailing lists (lista de discussão), chamado SF-Lovers, era dedicado aos fãs de ficção científica. Os usuários da rede, tipicamente estudantes, começaram a empregar os e-mails para jogar, fofocar, manter relacionamentos, acertar vendas de drogas ou circular pedidos para o impeachment de Nixon.
Com atividades como estas, sem contar a paixão que acompanha o período de estudos, o e-mail não se manteve uma mídia séria e comportada por muito tempo. Walden lembra de ter visto o primeiro e-mail de insultos e injúrias, que posteriormente passaria a ser chamado de “flaming” (acalorado), em meados dos anos 70.
“Foi um insulto sujo de alguém do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), e nós reclamamos com o chefe dele que a civilidade ainda era a norma, mesmo por e-mail”, diz Walden. “É claro, isto ocorreu algum tempo antes de ser batizado de ‘flaming’ e passar a não mais valer a pena se incomodar em tentar para-lo”.
Ler era simples, difícil era responder
No início dos anos 70, três quartos de todo o tráfego da Arpanet eram de e-mails. E à medida que a mídia crescia, alguns voltaram sua atenção para torná-la mais prática. Por exemplo, enviar e-mail era simples, mas tentar lê-lo ou respondê-lo era um enorme transtorno. O texto aparecia na tela de forma corrida, sem nada que separasse uma mensagem da outra. E não havia a função de resposta.
Lawrence Roberts, que na época era o gerente do Information Processing Techniques Office (escritório de técnicas de processamento de informação) da Advanced Research Projects Agency (agência de projetos de pesquisa avançada), resolveu o problema depois que seu chefe começou a reclamar sobre o volume de mensagens que estava se acumulando em sua caixa de entrada. Em 1972, Roberts produziu o primeiro gerenciador de e-mails, chamado RD, que incluía um sistema de pastas, assim como a função “excluir”.
Outras melhorias ao sistema foram feitas por John Vittal, que nos anos 1970 era um jovem programador do Instituto de Ciências da Informação da Universidade do Sul da Califórnia. Vittal passou muitas de suas horas vagas trabalhando em um programa, que ele chamou de MSG. Ele incluía não apenas o comando “excluir”, mas também o comando “responder”, que permitia à pessoa responder facilmente uma mensagem. Seu programa eventualmente tornou-se o padrão na Arpanet.
Cada vez mais a funcionalidade do e-mail foi assumindo as características da correspondência convencional. Duas das criações de Vittal foram as siglas “cc” e “bcc” – “cópia carbono” e “cópia carbono oculta”, designações cujas origens, no papel carbono que produzia cópias para muitos, agora parecem parte da pré-história.
“Havia o sentimento de que para a melhor compreensão do usuário nós precisávamos reproduzir as formas de comunicação escrita tradicionais -memorandos, cartas, cartões”, diz Vittal. “Traçar paralelos ajudou as pessoas a entender o que podiam fazer”.
O grande potencial do e-mail não passou desapercebido. O General Accounting Office, uma agência de auditoria do governo, previu em 1981 que a correspondência eletrônica reduziria acentuadamente o volume de correspondência convencional e que provocaria uma redução de dois terços no quadro de funcionários dos serviços postais até 2000. (Mas sua previsão foi equivocada: apesar da concorrência do e-mail e de outras formas de comunicação, o volume de cartas dobrou nas últimas duas décadas e a força de trabalho no setor postal cresceu em 20%.)
À medida que crescia o número de computadores em escritórios, surgiram vários serviços comerciais de e-mail, nenhum ligado diretamente à Internet. Mas todos eles fracassaram.
A MCI Mail, desenvolvida no início dos anos 1980 pela MCI, a empresa de telecomunicações que agora faz parte da WorldCom, foi uma das tentativas de maior visibilidade de introduzir o e-mail ao mundo dos negócios. Um serviço elaborado e cheio de características, a MCI Mail estava muito à frente do seu tempo. Não apenas os usuários podiam enviar mensagens eletrônicas de até 500 caracteres por 45 centavos de dólar, mas por uma taxa adicional a MCI também imprimia e enviava tais mensagens pelo correio ou por um mensageiro.
O mundo estava tão desacostumado com as caixas de correio eletrônico que a MCI Mail incluía um serviço de aviso no qual seus funcionários telefonavam para os clientes para avisar que checassem sua correspondência eletrônica.
Mas a MCI Mail, que surgiu em 1983, não pegou. Nem mesmo os Correios tiveram sucesso com sua versão -a E-Com (correspondência eletrônica gerada por computador), que surgiu em 1982 e foi abandonada em 1985.
“Foi muito difícil vender a idéia no mundo corporativo”, diz Cerf, que ajudou a desenvolver a MCI Mail. “A pergunta era sempre a mesma: ‘O que é um e-mail e por que preciso dele?’ Mas era o mesmo que ser a primeira pessoa no bairro a ter um telefone -‘Ora, para quem vou ligar?'”
Finalmente, com o advento da World Wide Web e a abertura da Internet para o tráfego comercial, a rede por si só tornou-se amplamente acessível ao público em geral em meados dos anos 90. Nessa época, os serviços online já forneciam rotineiramente aos usuários domésticos uma conta de e-mail baseada em Internet. E não por coincidência, foi neste período que a America Online começou a decolar.
Em 1996, 300 milhões de mensagens de e-mail eram enviadas diariamente e cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo utilizavam a mídia, segundo estimativas da International Data Corp.
“Nós ficamos emocionados em 1979 quando 100 mil usuários estavam enviando um punhado de mensagens por semana”, disse Walter Ulrich, que ajudou a desenvolver um dos primeiros sistemas comerciais de e-mail, chamado OnTym, que já desapareceu há muito tempo. Atualmente, bilhões de mensagens são enviadas diariamente.
30 anos de e-mail: no princípio, uma nota para si mesmo
Ray Tomlinson desenvolveu o primeiro sistema para envio de e-mails entre computadores em 1971 e 72. Em uma recente troca de e-mails com Katie Hafner, ele discutiu sua própria experiência com a mídia.
TNYT: Para quem você mandou sua primeira mensagem por e-mail? Para você mesmo?
Tomlinson: Sim, para mim mesmo. As duas máquinas estavam lado a lado com consoles a cerca de 4,5 metros de distância. Eu digitava a mensagem em uma máquina, ia até a outra máquina e examinava minha caixa de mensagens para ver se ela tinha chegado. Quando finalmente funcionou de forma confiável, eu enviei uma mensagem da máquina de desenvolvimento (chamada BBN-TENEXB) para todos os usuários em meu grupo na máquina de produção (BBN-TENEXA) descrevendo o que eu tinha feito, incluindo o uso da @ para separar o nome do usuário do nome do host.
TNYT: Você se lembra de quando o e-mail começou a ser uma parte significativa do seu dia a dia em frente ao computador?
TomlinsonEu acho que sempre utilizei o e-mail na maior extensão possível. O que mudou foi a extensão. Eu não posso dizer que houve um momento em que ele se tornou “significativo”.
TNYT: Então não houve um momento em particular em que você se sentou para utilizar o e-mail e disse para si mesmo: “Ei, como isto é importante”?
Tomlinson: As pessoas costumam não perceber algo que está sempre presente, e foi assim comigo em relação ao e-mail. Somente quando você e seus amigos escritores apareceram antes da comemoração do 25º aniversário da Arpanet, em 1994, foi que pensei no e-mail e no que eu tinha feito.
Por algum tempo, eu esperei que fosse surgir alguém para também reivindicá-lo. Até o momento surgiram duas reivindicações destas, que eu saiba. Em uma delas, Timsg, da Texas Instruments, alega ter enviado um e-mail entre computadores em 1967. Pode até ser, mas eu duvido que tenha sido um e-mail como nós o conhecemos. Há uma reivindicação mais vaga de uma universidade canadense (eu não me lembro qual). Em ambos os casos, eu me pergunto o que teriam utilizado como rede. Os sites da Arpanet na época eram poucos e não incluíam nada disto. Outras interconexões de computadores eram um tanto improvisadas e para propósitos específicos, e eu não as caracterizaria como redes.
Depois de algum tempo, comecei a perceber que este lance de e-mail foi uma coisa legal de ter sido feita. A história que mais me diverte foi quando meu nome e e-mail apareceram no programa “Jeopardy” alguns anos atrás. Minha mãe era uma fã do programa, e ela disse ter ficado feliz quando finalmente apareceu uma resposta para a qual ela sabia a pergunta.
TNYT: Parece que todo mundo tem um estilo diferente de escrever e-mails. Algumas pessoas tendem a ser muito sucintas, e outras tendem a divagar e divagar. O seu estilo, pelo que notei ao longo dos anos, tende mais para o primeiro do que para o segundo. Você concorda? O seu estilo de e-mail mudou muito?
Tomlinson: Não é só meu estilo de e-mail -grande parte do que escrevo é sucinto. Eu tento forçar a mim mesmo a dizer a mesma coisa de três ou quatro formas diferentes. Eu digo para mim mesmo que eu posso saber o que estou escrevendo, mas os leitores não, e cada um responde de forma diferente. Apesar de acharem que sabem o que estou dizendo após a primeira leitura, a reconstrução da frase subseqüente tende a confirmar ou provocar uma revisão do entendimento. Assim, se eu estiver sendo sucinto demais, me diga.
Eu não acho que meu estilo de redação (de e-mail ou não) mudou muito. Eu ainda gosto de sentenças completas que sejam gramaticalmente corretas e sem erros ortográficos. Nem sempre eu consigo isto, e é irritante ler uma mensagem que eu enviei e encontrar erros. Eu sei que sempre como palavras no e-mail, não por opção, mas porque é a forma como meu cérebro trabalha. Eu suspeito que muitas pessoas têm o problema de digitarem mais lentamente do que pensam. Conseqüentemente, elas ficam ressincronizando seus processos de pensamento com o que escreveram até então, e combinam uma parte posterior do pensamento com uma parte anterior que digitaram. Muitas vezes a combinação se baseia no som ou no aspecto das palavras. Provavelmente deve haver alguma tese de mestrado que analise os padrões de erros em e-mails.
Eu tenho um correspondente por e-mail que é exatamente o oposto -ele deixa de fora o máximo de palavras possível, soletra erradamente a maioria das restantes, e a gramática é atroz. Cortar palavras tende a provocar isto. Eu acho tais mensagens muito difíceis de ler e entender, em parte porque nem tudo está lá, mas também porque eu fico editando mentalmente a mensagem dele para corrigi-la.
TNYT: Eu presumo que você receba muitos e-mails diariamente. Quantos? Quantos são de estranhos que querem escrever para o pai do e-mail? Você responde a estas mensagens de fãs? Você recebe muito spam (mensagem indesejada) diariamente?
Tomlinson: Eu recebo muitos e-mails. Ontem eu enviei 14 e recebi 150 mensagens -8 delas eram spam, 60 eu não li (mensagens automáticas cujo assunto diz tudo). É seguro presumir que as 14 que enviei resultaram em uma resposta correspondente ou dúvida que eram mais importantes do que as outras mensagens que recebi.
Eu recebo poucas de estranhos. Eu acumulei 438 mensagens de estranhos, escritores, repórteres etc., ao longo dos últimos três anos. Isto dá uma média de três por semana.
TNYT: Como você filtra todas estas mensagens?
Tomlinson: No momento eu não estou filtrando o spam.
TNYT: Como você acha que a atual fobia postal afetará o volume de e-mails?
Tomlinson: Eu não acho que a fobia postal terá muito efeito imediato. Ela estimulará algumas conversas baseadas em Internet ou e-mail, mas tais conversas tomam tempo. Eventualmente haverá um efeito, mas teremos que esperar um pouco para vê-lo se destacar da variação normal de tráfego de e-ma
Fonte: TNYT ( New York Times ).