Muitas pessoas já ouviram um estrondo causado por um avião supersônico, mas poucas viram um. Uma nuvem incomum pode se formar quando um avião quebra a barreira do som. Esta nuvem é formada pela repentina queda na pressão do ar, o que provoca a condensação do vapor e a formação das gotículas de água que compõem a nuvem. (ver Singularidade de Prandtl-Glauert). Na imagem, um F/A-18 Hornet da marinha norte-americana foi fotografado no exato momento em que ultrapassa a barreira do som.
(Créditos da imagem: Nasa.)
No final do mês de março, a NASA apresentou ao mundo seu projeto de um avião hipersônico. Durante alguns minutos, o protótipo batizado de X-43A vôou sobre o oceano Pacífico a quase 8 mil km/h, uma velocidade dez vezes maior que os atuais aviões comerciais. Com esta velocidade, uma viagem Rio-São Paulo pode ser feita em quatro minutos. Se no futuro os aviões comerciais usarem esta tecnologia, o mundo ficará ainda menor. Será possível acordar no Rio de Janeiro, passar a manhã em Paris, almoçar em Roma, visitar os parentes na Inglaterra e voltar para o Brasil no final do dia, pra curtir o pôr-do-sol na beira da praia.
O X-43A é um aparelho pequeno: tem apenas 3,6 metros de comprimento e 1,5 metros de envergadura (distância entre as pontas das asas). Utiliza uma tecnologia de propulsão chamada de “scramjet” que levou 20 anos para ser desenvolvida. O motor com essa tecnologia aproveita a própria velocidade hipersônica para que o oxigênio da atmosfera seja utilizado na queima do combustível. As turbinas convencionais dos aviões a jato também fazem isso, mas como a velocidade desses aviões é muito baixa (comparativamente), as turbinas usam pás rotativas para concentrar o ar na câmara de combustão e é necessária uma concentração grande de oxigênio para que funcionem. Isto faz com que estes aviões voem em baixas altitudes na atmosfera, onde existe a concentração necessária do gás. O motor scramjet, por sua vez, compensa o problema de pequenas concentrações de oxigênio com a alta velocidade. O próprio movimento provoca um fluxo do gás para dentro da câmara de combustão e o faz funcionar. Com isso, pode ser usado em maiores altitudes, onde é baixa a concentração de oxigênio, sem a necessidade de um tanque adicional para este gás, como no caso dos foguetes convencionais. Se não é necessário um tanque de oxigênio para queimar combustível, a aeronave pode carregar mais peso – o que é uma vantagem em missões de grande alcance.
Na experiência da NASA, o X-43A foi levado nas asas de um bombardeiro B-52, acoplado a um foguete convencional, até os 10 mil metros de altitude. Nesta altitude, o foguete foi acionado e levou o protótipo até os 30 mil metros, quando finalmente o X-43A fez o seu vôo solo, mostrando a eficiência do motor scramjet. A NASA pretende usar a tecnologia em aviões para viagens longas e em naves espaciais mais seguras.
(http://www.nasa.gov/missions/research/x43-main.html)
A velocidade do X-43A é chamada de Mach 7, ou seja, sete vezes a velocidade do som. Aviões supersônicos têm velocidades entre 1200 e 5500 km/h (entre Mach 1 e Mach 5). Acima de Mach 5 são aviões hipersônicos, como o X-43A, e abaixo de Mach 1, subsônicos, como os aviões comerciais. O recém aposentado Concorde foi o único avião comercial supersônico da história, enquanto que o X-43A é o primeiro avião hipersônico, mas ainda está longe de ser comercial. O recorde anterior de velocidade era do avião-espião Blackbird, que atinge 3500 km/h.
Quando um avião atinge a velocidade do som, de 1200 km/h, dizemos que ele “rompeu” a barreira do som. Esta situação é acompanhada por um estrondo percebido pelos que estão em solo e por um silêncio profundo para quem está dentro do avião. Estando o avião mais rápido que o som, quem está dentro não recebe as ondas sonoras provenientes do próprio deslocamento. A primeira vez que o homem quebrou a barreira do som foi em 1947, com o piloto americano Chuck Yeager em um Bell X-1.
Para entender o estrondo sônico precisamos lembrar que o som é uma energia transportada por ondas mecânicas, ou seja, uma energia transportada pela oscilação das partículas que formam um meio material. Por esse motivo, não há som no vácuo (o espaço, por exemplo, é um grande silêncio). Também por esse motivo, um meio material sólido transporta o som com maior velocidade que um gás – lembre-se dos personagens de filmes colocando os ouvidos no chão ou nos trilhos de trem. Eles estão procurando ouvir a chegada de alguém.
O estrondo sônico é o resultado das ondas de choque formadas no deslocamento do avião. Essas ondas de choque se formam quando temos uma fonte sonora – no caso, o avião – com velocidade maior que o próprio som. As ondas sonoras são ondas mecânicas que se propagam no ar de maneira análoga às ondas provocadas em uma superfície líquida, só que em três dimensões. Nos aviões supersônicos há uma superposíção das ondas de som (uma sobre a outra, basicamente) na parte de trás da aeronave, intensificando o efeito e provocando o estrondo. Esta superposição é chamada de cone de Mach e resulta em aumento de pressão e temperatura do ar.
(http://www.pbs.org/wgbh/nova/barrier/boom/answer3.html)
Se um objeto se move com velocidades menores que a do som, as ondas sonoras emitidas por ele estão todas ao seu redor, em formato esférico, e se afastando continuamente (veja animação abaixo). No entanto, à sua frente as ondas estão mais comprimidas do que atrás. Assim, quem está à frente do movimento percebe um som mais agudo (maior freqüência) do que o percebido por quem está atrás, como ocorre quando um ambulância passa por nós. Este efeito é chamado de efeito Doppler.
Se a velocidade da fonte sonora for igual à velocidade do som, não haverá ondas sonoras na frente do objeto. Assim, elas ficam acumuladas e superpostas à frente, originando um aumento de temperatura e pressão do ar nesta região. Esta situação deve ser observada pelos projetistas de aeronaves supersônicas e ônibus espaciais, pois esta onda de choque formada no bico da aeronave tem efeitos físicos no movimento da aeronave.
Por sua vez, um objeto que tenha velocidade maior que a do som (na animação, temos uma velocidade de Mach 2, ou seja, o dobro da velocidade do som) nunca será alcançado pelas ondas sonoras por ele emitidas. Assim, as ondas ficam para trás e formam uma região cônica, chamada de cone de Mach, onde ocorre a superposição. Esta superposição provoca aumento de temperatura, pressão e densidade do ar nesta região, que é percebido como um estrondo – uma onda de choque. Ondas de choque ocorrem em explosões, trovões e em movimentos supersônicos.
(http://physics.nad.ru/Physics/English/swa_txt.htm)
Quando estivermos utilizando veículos supersônicos ou hipersônicos de maneira mais difundida estaremos experimentando mais uma revolução nos transportes, que resulta inevitavelmente em um mundo menor – não em distâncias, naturalmente, mas nos tempos necessários para os deslocamentos. A humanidade já vem experimentando esta “diminuição” do mundo desde a invenção dos trens, que aproximou tanto regiões distantes que houve a necessidade da invenção dos fusos horários. Carros, trens e aviões permitem às pessoas morarem e trabalharem em cidades diferentes, bem como viajar pelo mundo em tempos razoáveis. Mesmo assim, uma viagem intercontinental ainda é muito longa, com aviões que voam a cerca de 800 km/h. A tecnologia do X-43A permite que uma viagem Rio-Paris seja feita em pouco mais de uma hora. Obviamente este cenário ainda é uma ficção, pois ainda há um longo caminho a percorrer antes que esta tecnologia chegue à aviação comercial e, principalmente, antes que se torne barata – condição necessária para provocar uma revolução digna desta definição.
Fonte Imagem:
http://antwrp.gsfc.nasa.gov/apod/image/0102/sonicboomplane_navy.jpg